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Cancelada ou Superada?

SÚMULA VINCULANTE 17 – Durante o período previsto no parágrafo 1º(atual § 5º) do artigo 100  da Constituição, não incidem juros de morasobre os precatórios que nele sejam pagos.

OBS: Válida, mas quando o enunciado fala em “§ 1°”: deve-se entender § 5°. Isso porque, após a súmula ter sido aprovada (em 10/11/2009), foi editada a EC 62/2009 (em 09/12/2009), que deslocou a redação do antigo § 1° para o atual § 5° do art. 100 da CF/88.

Veja outras informações sobre o tema, iniciando a explicação com a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra a Fazenda Pública. Foi prolatada sentença condenando o Poder Público a pagar R$ 300 mil. Essa sentença transitou em julgado em 04/04/16. Em 10/04/16, o credor pediu ao juiz, nos termos do art. 534 do CPC, o cumprimento de sentença, apresentando o cálculo da dívida atualizada. Segundo entende o STF, a partir do momento em que forem apresentados os cálculos, começa a incidir juros da mora contra a Fazenda Pública:

Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição de pequeno valor (RPV) ou do precatório. STF. Plenário. RE 579431/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/4/2017 (Repercussão Geral – Tema 96) (Info 861).

O que acontece a agora? A Fazenda Pública poderá impugnar ou não o cumprimento de sentença. Suponhamos que o Poder Público não impugnou. Neste caso, deverá ser expedido, por intermédio do Presidente do Tribunal, precatório em favor do exequente. Confira o que diz o art. 535, § 3º do CPC:

Art. 535 (…)

§ 3º Não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada:

I – expedir-se-á, por intermédio do presidente do tribunal competente, precatório em favor do exequente, observando-se o disposto na Constituição Federal;

II – por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.

Neste caso, o juízo da execução elabora o precatório e o encaminha ao Presidente do Tribunal. Este, por sua vez, irá expedir o precatório, ou seja, repassá-lo ao ente devedor para que seja incluído no orçamento. Ex: se a execução era contra a União, o juiz federal responsável pela execução irá elaborar o precatório e encaminhá-lo ao Presidente do TRF; este irá expedir o precatório determinando que a União inclua no orçamento para pagamento. Suponhamos que, em nosso exemplo, a Fazenda Pública concordou com os cálculos do credor. Diante disso, o juiz encaminhou ao Presidente do Tribunal que expediu, em 30/05/2016, o precatório em favor de João. Assim, deverá haver a incidência dos juros da mora referente ao período de 10/04/2016 (data da realização dos cálculos) e a data do precatório.

Existe um prazo para que o ente pague o precatório? SIM. Os pagamentos requisitados até 01 de julho (01/07)* de cada ano deverão ser pagos até o final do exercício do ano seguinte. Isso está previsto no § 5º do art. 100 da CF/88:

Art. 100 (…)

§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho*, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Em nosso exemplo: o precatório foi apresentado pelo Presidente do Tribunal em 30/05/2016; logo, ele deverá ser pago pelo Poder Público até o dia 31/12/2017 (último dia do ano seguinte).*

Abrindo um parêntese: Se o precatório tiver valor muito alto (valor superior a 15% do montante dos demais precatórios apresentados até o dia 01/07 do respectivo ano), então, neste caso, deverá ser pago 15% do valor deste precatório até o dia 31/12 do ano seguinte e o restante em parcelas iguais nos 5 anos subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária. A CF/88 permite também que o credor faça um acordo com o Poder Público (§ 20 do art. 100 da CF/88, incluído pela EC 94/2016).

Período de suspensão dos juros moratórios: Entre o dia 01/07 de um ano até o dia 31/12 do ano seguinte (em nosso exemplo: de 01/07/16 até 31/12/17), não haverá incidência de juros de mora porque o STF entende que esse foi o prazo normal que a CF/88 deu para o Poder Público pagar seus precatórios, não havendo razão para que a Fazenda Pública tenha que pagar juros referentes a esse interregno. É justamente o que diz a SV 17. Obs: neste período, não há incidência de juros moratórios, mas deverá ser paga correção monetária, conforme prevê a parte final do § 5º do art. 100.

E se passar o dia 31/12 e o ente devedor não efetuar o pagamento do precatório, neste caso, voltará a incidir juros de mora? Em nosso exemplo, se passar o dia 31/12/17, começa novamente a incidir juros moratórios? SIM. Isso porque terá se esgotado o prazo dado pela Constituição para que o ente devedor pague o precatório. Logo, o ente encontra-se em mora. Assim, por exemplo, se o precatório foi inscrito até o dia 01/07/2016, este precatório deverá ser pago até o dia 31/12/17. Se o pagamento for realizado neste período, não haverá incidência de juros de mora porque não houve inadimplemento por parte da Fazenda Pública. No entanto, se passar o dia 31/12/17 sem pagamento, haverá a incidência de juros moratórios, que serão computados a partir de 01/01/18 até a data em que ocorrer a quitação do precatório.

Confira as palavras do Min. Edson Fachin:

“A não incidência de juros de mora nesse período ocorre justamente porque nele não existe mora, em decorrência de norma constitucional, e isso se mantém independentemente de quando ocorrer o pagamento do precatório.

No caso de o pagamento ocorrer após o prazo estabelecido pela Constituição, haverá a incidência de juros de mora, mas só no período em que houver mora, ou seja, depois do prazo estabelecido para o pagamento.” (Voto na Rcl 15906 AgR, Rel.  Min. Edson Fachin, 1ª Turma, j. 18/08/15)

Obs: como esses juros moratórios não estavam previstos no precatório, considerando que se presumia que ele seria pago na data fixada pela CF/88 (até o dia 31/12), para que o credor receba o valor dos juros, será necessária a expedição de um precatório complementar. Depois que o precatório está expedido, não se pode acrescentar novos valores a ele.

Voltando ao nosso exemplo:

– Sentença transitada em julgado: 04/04/2016.

– Início dos juros moratórios: 10/04/2016 (data da realização dos cálculos).

– Dia em que o precatório foi apresentado para pagamento: 30/05/2016.

– Suspensão dos juros moratórios: 01/07/2016 (SV 17-STF).

– Prazo máximo para a Fazenda Pública pagar: 31/12/2017 (§ 5º do art. 100 da CF/88).

– Se a Fazenda não pagar até o prazo máximo: voltam a correr os juros moratórios a partir de 01/01/2018.

Discussão sobre eventual superação da SV 17 em virtude da EC 62/09: A SV 17 foi publicada em 10/11/09. Contudo, logo em seguida, mais especificamente em 09/12/09, foi promulgada a EC 62/09, que promoveu diversas mudanças no art. 100 da CF. Duas dessas alterações poderiam, em tese, afetar a SV 17:

1) a EC 62/2009 reposicionou o conteúdo do § 1º do art. 100 para o §5º (houve apenas uma mudança da numeração do dispositivo, permanecendo idêntico o conteúdo da norma);

2) inclusão do § 12 ao art. 100 da CF/88, com a seguinte redação:

Art. 100 (…)

§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança*, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.

Diante disso, surgiu o argumento de que o § 12 do art. 100 determinou a incidência de juros moratórios independentemente do período. Por essa razão, esse novo § 12 teria modificado o entendimento exposto na SV 17.

* obs: esse trecho (“índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”) foi declarado inconstitucional pelo STF no julgamento da ADI 4425, permanecendo válido, contudo, o restante da norma.

Essa argumentação foi acolhida pelo STF? A EC 62/09 acarretou a superação da SV 17? NÃO. A SV 17 fala no § 1º do art. 100 da CF/88. A EC 62/09 deslocou o conteúdo do § 1º para o § 5º do mesmo art. 100. Essa modificação, contudo, não altera o sentido da súmula. Para o STF, nenhum dispositivo da EC 62/09 alterou a SV 17. O período previsto no art. 100, § 5º, da Constituição (precatórios apresentados até 1º de julho*, devendo ser pagos até o final do exercício seguinte) costuma ser chamado de “período de graça constitucional”. Nesse interregno, não cabe a imposição de juros de mora, pois o ente público não está inadimplente. Caso não haja o pagamento integral dentro deste prazo, os juros de mora passam a correr apenas a partir do término do “período de graça”.

Conforme explica Harrisson Leite:

“A suspensão da contagem dos juros de mora decorre do fato de que o pagamento de precatório somente deve ocorrer após sua devida inclusão na Lei Orçamentária Anual do ente devedor e, por essa razão, jamais poderia a Fazenda Pública ser considerada em mora, uma vez que o exercício orçamentário é compreendido de 1º de janeiro até 31 de dezembro de cada ano.

Assim, expedido o precatório, deve o credor aguardar o seu pagamento até o final do ano seguinte, contando apenas com a correção monetária dos valores, mas não com os juros de mora, já que a Administração encontra-se dentro do prazo para o pagamento.

(…)

Nesse ponto, aplica-se o entendimento de que, no espaço de tempo entre a expedição do precatório e o término do exercício subsequente, o Estado não pode ser enquadrado em mora. Trata-se de um período de 18 (dezoito) meses para pagamento de débitos com suspensão da fluência dos juros de mora, chamado de graça constitucional” (Manual de direito financeiro. 9ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 485).

Conclui-se, portanto, que o §12 do artigo 100 da Constituição Federal deve ser analisado conjuntamente com o §5º, de forma que os juros de mora só poderão incidir se ultrapassado o prazo constitucional para pagamento do precatório.

Tese fixada pelo STF para fins de repercussão geral:

O enunciado da Súmula Vinculante 17 não foi afetado pela superveniência da Emenda Constitucional 62/2009, de modo que não incidem juros de mora no período de que trata o § 5º do art. 100 da Constituição. Havendo o inadimplemento pelo ente público devedor, a fluência dos juros inicia-se após o ‘período de graça’. STF. Plenário. RE 1169289, Rel. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Alexandre de Moraes, j. 16/06/20 (Repercussão Geral – Tema 1037 (Info 984 – clipping).

* ATUALIZAÇÃO

 A EC 114/2021 alterou o prazo de pagamento do precatório, previsto no § 5º do art. 100:

Antes da EC 114/2021:
Art. 100 (…)
§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Depois da EC 114/2021
Art. 100. (…)
§ 5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado constantes de precatórios judiciários apresentados até 2 de abril, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

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