OBS: Em que consiste a transação penal? Transação penal é…
– um acordo
– celebrado entre o MP (se a ação penal for pública) ou o querelante (se for privada)
– e o indivíduo apontado como autor do crime
– por meio do qual a acusação
– antes de oferecer a denúncia (ou queixa-crime)
– propõe ao suspeito que ele, mesmo sem ter sido ainda condenado,
– aceite cumprir uma pena restritiva de direitos ou pagar uma multa
– e em troca disso a ação penal não é proposta e o processo criminal nem se inicia.
Previsão legal: O instituto da transação penal é previsto na Lei dos Juizados Especiais (Lei 9099/95):
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
A transação penal é compatível com a Constituição Federal? SIM. A transação penal é, inclusive, uma determinação constitucional. Confira:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
A transação penal não ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa porque se trata de uma escolha (faculdade) colocada à disposição do suposto autor do fato, que pode preferir fazer logo o acordo e cumprir uma medida restritiva de direitos (mesmo sem ter sido julgado), do que se submeter aos transtornos de um processo criminal. Logo, por não ser obrigatória, a transação penal não é incompatível com as garantias constitucionais.
Requisitos: Para que a transação penal possa ser proposta, deverão estar presentes os seguintes requisitos:
a) A infração apurada deve ser de menor potencial ofensivo. Só cabe transação penal em casos de infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, contravenções penais e crimes cuja pena máxima prevista não seja superior a 2 anos, cumulada ou não com multa. Exceção: não cabe transação penal se o crime ou a contravenção penal tiver sido praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, mesmo que a pena seja inferior a 2 anos.
b) A infração apurada pode ser crime de ação pública ou privada. Apesar de o caput do art. 76 da Lei 9.099/95 falar apenas em “crime de ação penal pública”, a doutrina e jurisprudência entendem que a transação penal é cabível tanto em delitos de ação penal pública (condiciona ou incondicionada), como também de ação penal privada.
c) A hipótese não pode ser caso de arquivamento do TC. Se houver algum motivo que autorize o arquivamento do termo circunstanciado, a acusação não deverá propor transação penal e, se o fizer, o juiz não deverá homologá-la. Isso porque o caput do art. 76 da Lei 9.099/95 afirma claramente que a transação somente deverá ser oferecida se não for caso de arquivamento dos autos. Assim, por exemplo, se não houver indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, a hipótese é de arquivamento, não devendo ser proposto o acordo.
d) O autor da infração não pode ter sido condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva (art. 76, § 2º, I, da Lei 9.099/95).
e) O autor do fato não pode ter sido beneficiado anteriormente, no prazo de 5 anos, com a transação penal (art. 76, § 2º, II, da Lei 9.099/95).
f) Os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do fato devem indicar que a transação penal é medida necessária e suficiente para o caso (art. 76, § 2º, II, da Lei 9.099/95).
Atenção: em se tratando de crime ambiental, existe outro requisito, qual seja, a proposta de transação penal somente poderá ser oferecida se tiver havido prévia composição do dano ambiental, salvo em caso de impossibilidade de fazê-lo (art. 27 da Lei 9.605/98).
Procedimento
- Se a autoridade policial tomar conhecimento da prática de uma infração penal de menor potencial ofensivo, ela deverá lavrar um termo circunstanciado.
O termo circunstanciado é um “substituto” bem mais simples que o inquérito policial, realizado pela polícia nos casos de infrações de menor potencial ofensivo. O objetivo do legislador foi facilitar e desburocratizar o procedimento. No termo circunstanciado é narrado o fato criminoso, com todos os dados necessários para identificar a sua ocorrência e autoria, devendo ser feita a qualificação do autor, da vítima e indicadas as provas existentes, inclusive o rol de testemunhas. Vale ressaltar que, se não for realizada transação penal e o MP entender que o caso é complexo, ele poderá requisitar que seja feito um inquérito policial. Em outras palavras, a regra nas infrações penais de menor potencial ofensivo é o termo circunstanciado, mas é possível que seja feito IP se assim entender necessário o titular da ação penal.
- Após lavrar o termo circunstanciado, a autoridade policial deverá encaminhá-lo imediatamente ao Juizado Especial Criminal, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (ex: exame de corpo de delito).
- Recebendo o termo, o juiz deverá designar uma audiência preliminar.
Atenção: a Lei prevê que a audiência preliminar deverá ser preferencialmente realizada no mesmo dia em que o fato ocorreu ou, não sendo isso possível, que seja marcada uma data próxima. Na prática, a audiência nunca ocorre no mesmo dia do fato.
- Na audiência preliminar deverão estar presentes o representante do MP, o autor do fato e a vítima, acompanhados por seus advogados.
- A conciliação poderá ser conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.
- Logo ao abrir a audiência, o Juiz esclarecerá que, neste tipo de infração de menor potencial ofensivo é possível que o autor do fato faça:
a) um acordo de composição civil dos danos com o ofendido (acordo de natureza cível);
b) e também um acordo de transação penal com o MP (acordo de natureza criminal).
- Importante ressaltar que, apesar de a audiência preliminar ser realizada no Poder Judiciário, com a participação do juiz e do MP, ainda não existe ação penal (ainda não houve denúncia nem queixa-crime e o autor ainda não é réu).
- Caso o autor do fato e a vítima aceitem fazer o acordo de composição civil:
a) Se o crime for de ação penal privada (ex: dano): a celebração do acordo acarreta a renúncia ao direito de queixa, significando dizer que a punibilidade do agente está extinta (art. 107, V, do CP). O autor está livre do processo criminal.
b) Se o crime for de ação pública condicionada (ex: lesão corporal leve): a celebração do acordo acarreta a renúncia ao direito de representação, extinguindo a punibilidade, de forma que o autor também estará livre do processo criminal.
c) Se o crime for de ação pública incondicionada (ex: violação de domicílio): a celebração do acordo não acarreta a extinção da punibilidade. A composição civil no caso de crimes de ação pública incondicionada não produz efeitos penais. A única vantagem para o autor do fato é que ele já resolveu a questão cível, ou seja, não poderá mais ser demandado em uma ação de indenização. No entanto, o processo criminal permanece intacto e a etapa seguinte será verificar se ele tem direito de (e quer) fazer a transação penal.
- Caso o autor do fato e a vítima NÃO aceitem fazer o acordo de composição civil: o MP (ou querelante) irá fazer a proposta de transação penal (desde que cumpridos os requisitos).
- Imaginemos que o MP fez a proposta de transação penal ao autor do fato.
- Se o autor do fato não aceitar a transação (ou nem comparecer injustificadamente), o membro do MP, na própria audiência, terá duas opções:
a) formulará denúncia oral, que será reduzida a escrito no termo de audiência (isso se o Parquet entender que já existem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade); ou
b) requisitará a instauração de um inquérito policial para a realização de novas diligências que sejam imprescindíveis para a definição da autoria ou materialidade.
- Se o autor do fato aceitar a transação, o juiz deverá analisar a legalidade das condições propostas e, estando conforme o ordenamento jurídico, irá homologar a transação penal realizada. A sentença que homologa a transação penal tem natureza declaratória e somente faz coisa julgada formal (não produz coisa julgada material).
- Lembrando que, se o autor do fato aceitou a transação, é porque se comprometeu a cumprir uma pena restritiva de direitos ou a pagar uma multa, segundo as condições que foram fixadas na proposta. Ex: o MP propôs e o autor do fato concordou em prestar 60h de serviços comunitários no prazo máximo de 6 meses em um hospital. O autor terá que atender a essa exigência imposta no prazo assinalado.
Descumprimento injustificado da transação penal: O que acontece se o autor do fato aceitar a proposta, mas acabar descumprindo a obrigação por ele assumida no acordo (ex: o autor tinha que prestar 60h, mas acabou realizado apenas 40h de trabalhos comunitários)? O juiz deverá determinar a abertura de vista dos autos ao MP. O membro do Parquet terá, então, duas opções:
- Oferecer denúncia; ou
- Requerer mais investigações, por meio da realização de um inquérito policial, caso entenda que ainda não existem provas suficientes.
Tal entendimento é baseado no fato de que a decisão homologatória da transação penal não faz coisa julgada material. Dessa forma, diante do descumprimento das cláusulas estabelecidas na transação penal, retorna-se ao status quo ante (volta-se para a fase 11 acima explicada), viabilizando-se, assim, ao Parquet a continuidade da persecução penal.
Essa solução não viola o contraditório e a ampla defesa? NÃO. Isso porque o acusado terá direito ao contraditório e a ampla defesa durante a ação penal que ainda irá se iniciar. Haveria sim violação ao devido processo legal se, após descumprir a transação, o autor do fato fosse desde logo condenado (sem processo) ou preso.
Confira agora novamente a redação da súmula para ver se entendeu: A homologação da transação penal prevista no art. 76 da Lei 9.099/95 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao MP a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial. O entendimento exposto na súmula já era adotado não apenas pelo STF como também pelo STJ. Nesse sentido: STF. Plenário. RE 602072 QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009 (repercussão geral). STJ. 6ª Turma. RHC 34.580/SP, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 12/03/2013.