Resumo: A 12ª Turma do TRF-4 manteve anulação da condenação do ex-procurador Deltan Dallagnol a ressarcir gastos com diárias e passagens da força-tarefa da “lava jato”. O TCU considerou os gastos irregulares e ilegítimos, mas a decisão foi suspensa pela Justiça. Os procuradores não foram responsabilizados pela escolha do modelo de custeio.
GASTO PÚBLICO
Em mais uma decisão favorável aos tarefeiros da “lava jato”, a 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve anulação de decisão do Tribunal de Contas da União que havia condenado o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol a ressarcir o dinheiro gasto com diárias e passagens da finada força-tarefa.
Além de Dallagnol, o TCU havia condenado o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o procurador João Vicente Beraldo Romão a devolverem R$ 2,8 milhões ao erário.
O TCU julgou irregulares as contas de Dallagnol, Janot e Romão e considerou que eles praticaram atos “antieconômicos, ilegais e ilegítimos” que podem caracterizar improbidade administrativa.
A 6ª Vara Federal de Curitiba suspendeu o acórdão do TCU. A decisão foi mantida pelo TRF-4. Os desembargadores acolheram o argumento de que Dallagnol não era o responsável por convocar a força-tarefa e não ocupava uma função de gestão administrativa.
Entenda o caso
Procuradores de outras cidades foram indicados para atuar na “lava jato” em Curitiba e receberam ajuda financeira como se estivessem em uma situação provisória de trabalho, em vez de ser oficialmente transferidos para a capital paranaense.
O ministro Bruno Dantas, relator do processo, considerou que faltaram estudos mínimos para avaliar alternativas e demonstrar tecnicamente que o modelo de gestão adotado era “o que melhor atendia ao interesse público”.
O ofício que solicitou a instituição da força-tarefa não mencionou custos dos trabalhos, nem critérios que justificariam a escolha dos membros. Dos seis procuradores originalmente designados, cinco não estavam lotados em Curitiba. Três eram procuradores regionais da República — que têm atribuições nos Tribunais Regionais Federais, e não em ações investigativas na primeira instância.
O relator também ressaltou que os critérios de seleção nunca foram tornados públicos. Por isso, outros procuradores não tiveram oportunidade de se candidatar aos quadros da força-tarefa.
Romão, chefe da Procuradoria da República no Paraná e signatário do documento, pediu a locação de um imóvel para abrigar as atividades da “lava jato”. Para Dantas, isso demonstraria que, à época, já se sabia que os trabalhos durariam muito mais do que os cinco meses inicialmente autorizados.
De acordo com o ministro, a opção adotada não representou o menor custo possível. Em vez disso, garantiu aos procuradores “o auferimento de vultosas somas a título de diárias”, sem limitações para que os valores não extrapolassem o razoável. As circunstâncias indicariam “uma atuação deliberada de saque aos cofres públicos para benefício privado”.
Gastos com diárias
Dantas lembrou que os procuradores já recebiam auxílio-moradia, um benefício criado justamente para custear “despesas transitórias de acomodação de média duração”.
Dos R$ 3,25 milhões gastos com o deslocamento e estadia dos procuradores, R$ 2,77 milhões (85%) foram destinados a viagens do domicílio oficial de cada um para Curitiba.
O procurador Diogo Castor de Mattos, por exemplo, recebeu R$ 373 mil em diárias entre 2014 e 2019, apesar de residir em Curitiba à época. Ele havia sido estagiário do líder da “lava jato”, Dallagnol, e passou a integrar a equipe logo após ser aprovado no concurso público para o Ministério Público Federal. Mais recentemente, Castor foi demitido por pagar um outdoor em homenagem à força-tarefa.
Já o procurador Orlando Martello Júnior era oficialmente lotado em São Paulo, mas casado com uma procuradora residente na capital do Paraná. Seus deslocamentos e estadias custaram R$ 508 mil de 2014 a 2021.
Responsabilidade pelos gastos
A decisão pelo pagamento das diárias e passagens foi notada pelos próprios beneficiários. Martello, por exemplo, chegou a consultar a alta administração do MPF quanto à percepção das diárias. A opção foi validada.
Dantas destacou que os procuradores chamados a Curitiba não foram responsáveis pela escolha do modelo de custeio.
Os verdadeiros responsáveis seriam os membros do MPF que resolveram adotar o formato da força-tarefa: Dallagnol, Romão e Janot. O chefe da “lava jato” participou ativamente da concepção do modelo escolhido e da demanda de recursos materiais e humanos. Romão solicitou a constituição da força-tarefa. Já Janot autorizou a operação. Segundo Dantas, nenhum deles analisou corretamente os custos dos trabalhos.
Fundamentos
Janot alegava que a responsabilidade deveria ser compartilhada com integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), já que as decisões foram aprovadas pelo colegiado.
Mas Dantas apontou que o órgão não tinha a atribuição de decidir quanto a modelos de gestão e custeio da “lava jato”. Tal responsabilidade seria, na verdade, do titular do MPF e dos que propuseram a força-tarefa sem motivar suas escolhas.
Nem mesmo o formato de força-tarefa foi devidamente justificado. Os procuradores alegavam que esse sempre foi o modelo adotado pelo MPF para apuração de delitos complexos que exigiam investigações conjuntas e coordenadas de forma temporária.
Mas a “lava jato” não foi passageira. “Foram sete longos anos em que a complexidade se tornou crescente, sem que houvesse, minimamente, uma reflexão administrativa acerca dos custos”, pontuou o relator. O próprio CSMPF reconheceu que a força-tarefa representou, na prática, uma “unidade administrativa de fato”.
Conforme o inciso II do artigo 227 da Lei Complementar 75/1993, o pagamento de diárias decorre de “serviço eventual fora da sede”. O ministro destacou que isso “claramente não adere à realidade dos integrantes da força-tarefa”.
Os procuradores argumentavam que o pagamento de diárias e passagens seria inerente ao próprio modelo de força-tarefa. Na visão de Dantas, isso levaria “à absurda conclusão de que à gestão administrativa do MPF seria lícito deslocar, de um lado, procuradores lotados no Norte do Brasil para forças-tarefa no Sul e, de outro, procuradores lotados no Sul para forças-tarefa no Norte”.
O relator ressaltou que havia outras alternativas. Em 2014, já existia uma norma do MPF que regulamentava o modelo de Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Já o modelo de forças-tarefa não era normatizado e foi “aprovado mediante atos precários e institucionalmente lacunosos”.
Os responsáveis sequer consideraram outras opções quando adotaram o modelo, nem mesmo depois de consultas internas ao longo do tempo. “Pelo contrário, as informações indicam que tinham plena ciência da desproporcionalidade dos valores recebidos”, assinalou o ministro.
Postado Originalmente em: www.conjur.com.br