Resumo: O filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, traz à tona o desaparecimento político de Rubens Paiva durante a ditadura militar. Ex-deputado Federal, foi preso e torturado até a morte em 1971. Sua esposa, Eunice Paiva, lutou por décadas pelos direitos humanos, conseguindo o reconhecimento de seu desaparecimento e atuando em defesa dos povos indígenas. Eunice faleceu em 2018 deixando um legado de luta e compromisso.
A estreia nos cinemas do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, no início deste mês levou aos holofotes o desaparecimento político de Rubens Paiva durante a ditadura militar. Paiva era deputado Federal quando, no início da década de 70, foi levado por militares e desapareceu. O filme é inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho do parlamentar, e conta a história da família, que é obrigada a se reinventar.
Enquanto o caso segue sem avanços no STF há uma década, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, reabriu, em abril deste ano, um processo interno sobre o caso.
Quem foi Rubens Paiva?
Rubens Beyrodt Paiva nasceu em 1929, em Santos/SP, e formou-se em engenharia civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele foi eleito deputado Federal pelo PTB em 1962. Durante seu mandato, destacou-se como vice-presidente de uma CPI que investigava o IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e o IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática, organizações acusadas de financiar conspirações contra o governo João Goulart. Rubens se tornou um dos primeiros parlamentares cassados pelo golpe militar de 1964, por meio do Ato Institucional nº 1.
Devido à cassação, se exilou brevemente na Iugoslávia, e em seguida, voltou ao Brasil, estabelecendo-se no Rio de Janeiro. Em 1971, foi preso em sua residência no Leblon por agentes do regime militar e levado ao DOI-Codi, onde morreu sob tortura. Seu corpo nunca foi encontrado.
A morte de Rubens Paiva foi confirmada pela CNV – Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012 para investigar violações aos direitos humanos ocorridas no regime militar.
Apuração
Em 2014, a CNV apresentou relatório com detalhes sobre o desaparecimento e morte do ex-parlamentar, identificando o então tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho como um dos responsáveis pela tortura que levou Rubens à morte no DOI-Codi, no Rio de Janeiro. Tais informações foram sustentadas por “agente Y”, um militar não identificado que afirmou ter visto Hughes “utilizando método não tradicional de interrogatório em uma pessoa que, de relance, lhe pareceu ser de meia idade”.
Com base nesse depoimento, o MPF denunciou cinco militares por crimes como homicídio doloso, ocultação de cadáver, associação criminosa e fraude processual. Entre os denunciados estavam José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal do Rio de Janeiro e mantida pelo TRF da 2ª região, sendo a primeira acusação penal contra militares por homicídios durante a ditadura.
Os réus recorreram ao STF, alegando que os crimes denunciados estavam protegidos pela lei da Anistia. Em 2014, o ministro Teori Zavascki, então relator, concedeu liminar suspendendo o processo. Após a morte do ministro, em 2017, o caso foi redistribuído ao ministro Alexandre de Moraes. Atualmente, a maioria dos acusados já faleceu, dificultando o prosseguimento da ação.
Em abril de 2024, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, reabriu internamente o processo sobre o assassinato de Rubens Paiva.
Quem foi Eunice Paiva?
Eunice Facciolla Paiva, esposa de Rubens e mãe de cinco filhos, enfrentou os desafios de criar a família em meio à repressão política. Após o desaparecimento do marido, decidiu estudar Direito, formando-se em 1977. Eunice tornou-se uma advogada respeitada e uma voz ativa na defesa dos direitos humanos, especialmente dos povos indígenas.
Destacou-se por seu papel na pressão pela promulgação da lei 9.140/95, que reconheceu como mortos os desaparecidos políticos durante a ditadura. Em 1996, após décadas de luta, Eunice conseguiu que o Estado brasileiro emitisse o atestado de óbito de Rubens Paiva. Ela também participou da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, contribuindo para a construção de uma Constituição mais inclusiva.
Eunice fundou o IAMA – Instituto de Antropologia e Meio Ambiente, que atuou por anos na defesa dos Direitos Indígenas, e foi uma das principais especialistas no tema no Brasil. Mesmo enfrentando o Alzheimer nos últimos 14 anos de sua vida, Eunice deixou um legado inestimável. Faleceu em dezembro de 2018, aos 86 anos.
Postado Originalmente em: www.migalhas.com.br