Sem invencionismo
Para Lenio Streck, não é suficiente afirmar que o Brasil não necessita de uma nova Constituição: “É impossível elaborar uma Constituição que possa ser superior a esta”.
Em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico, o professor e advogado deu seu ponto de vista sobre uma discussão que volta e meia surge no país, que, ao invés de aprimorar o conjunto de normas já estabelecido, tenta a cada novo mandato legislativo reinventar a roda.
“Os problemas do Brasil não são originados pela Constituição. E para aqueles que desconfiam dela, devemos lembrar o Brasil pré-1988. Como era a saúde pública, a cobertura social? O Brasil é diferente agora, e evoluiu graças à Constituição”, avalia Streck.
No entanto, ele ressalta que nenhum problema é automaticamente resolvido apenas por ter sido abordado pela Constituição ou pelas leis. “Não adianta inserir na Constituição a proibição da febre amarela, é preciso combater os mosquitos. O Supremo Tribunal Federal tentou fazer isso ao declarar o estado de coisas inconstitucional em relação aos presídios. Mas não adianta fazer isso.”
A batalha, em sua opinião, não deve ser pela redação de uma nova Constituição, pois a nossa “é a melhor do mundo”. O objetivo é, de fato, tornar efetiva uma Constituição como a brasileira.
“Se eu fosse resumir em uma frase, diria que a nossa Constituição visa a reduzir a desigualdade. Parece simples, mas é assim que as Constituições funcionam. Elas são também esperanças. Utopias, não distopias. São esperanças para o futuro. Talvez devamos olhar para o que ela pode nos oferecer no futuro, em vez de focar no que ela não está nos proporcionando atualmente.”
Ele complementa, por fim, que as democracias são eficientes quando o Direito e a Constituição não estão sob controle de quem detém o poder político.
“Na Espanha, na Alemanha, não se ouve esse tipo de discurso: ‘Se não está funcionando, vamos acabar com esse sistema, redigir uma nova Constituição’. Eles estão tentando manter em pé aquilo que foi estabelecido pelo Direito. É maravilhoso.”
Constitucionalização excessiva
Um dos obstáculos para a efetivação da Constituição está no excesso de expectativas, de acordo com o advogado e professor. E o outro, no excesso de judicialização.
Sobre as expectativas, Lenio Streck menciona uma história contada pelo ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal: quando Bernardo Cabral participava da Constituinte, voltava de táxi de um almoço. O taxista comentou: “Olha, vocês estão discutindo a questão dos indígenas, certo? Tudo bem, tranquilo, mas o senhor não pode incluir algo para os taxistas na Constituição?”.
Uma consequência desse excesso de expectativas é o aumento da judicialização. Com um pouco de habilidade e artifício, questões que deveriam ser resolvidas em nível condominial chegam ao Supremo Tribunal Federal, baseando-se na alegação de violação da dignidade da pessoa humana.
“Uma norma é inconstitucional quando contraria algo estabelecido. Mas é preciso haver algo que foi estabelecido. Se não há, não há inconstitucionalidade. Nem tudo é inconstitucional e nem tudo está na Constituição. Alguns assuntos são resolvidos pelo Código de Posturas do Município”, resume Streck.
Postado Originalmente em: www.conjur.com.br