Resumo: Ministros do STF discutem a possibilidade de anulação de decisões de júri popular fundamentadas em quesitos genéricos, mesmo que contrariem as provas dos autos. O ministro Gilmar Mendes defende a soberania dos veredictos, exceto no caso de absolvição por legítima defesa da honra. O julgamento continua empatado e será retomado em outra data.
DECISÃO DO POVO
Anular absolvições por quesito genérico viola a soberania dos vereditos, mesmo que a decisão do tribunal do júri supostamente vá contra as provas dos autos, exceto quando é constatado que os jurados se basearam na tese da legítima defesa da honra.
O entendimento é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em julgamento que determina se a segunda instância do Judiciário pode ordenar um novo júri em caso de absolvição baseada em quesito genérico, indo contra as provas dos autos.
A discussão sobre a possibilidade de anulação está empatada em 2 a 2. A análise será retomada na próxima quarta-feira (2/10).
O julgamento, de repercussão geral (Tema 1.087), envolve um caso em que o conselho de sentença reconheceu a materialidade e autoria no caso de tentativa de homicídio, mas decidiu pela absolvição por clemência devido à vítima ter sido responsável por matar o enteado do acusado.
A apelação do Ministério Público foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A corte entendeu que o princípio da soberania do júri impede a cassação da decisão.
De acordo com o TJ-MG, o sistema de íntima convicção, adotado nos julgamentos feitos pelo júri popular, admite a absolvição por quesitos genéricos, como clemência, piedade ou compaixão.
O MP-MG recorreu ao STF argumentando que a absolvição por clemência não é permitida legalmente e que permite o retorno à vingança e justiça com as próprias mãos.
A análise do caso começou no Plenário Virtual em 2020, mas foi retomada presencialmente após pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes.
Voto do relator
Gilmar manteve nesta quinta-feira (26/9) o voto apresentado no Plenário Virtual. Segundo ele, a Constituição garante a soberania dos vereditos, e o Código de Processo Penal permite a absolvição por qualquer motivo com base no quesito genérico.
Ele foi acompanhado por Celso de Mello, que na época era ministro, quando o caso estava sendo julgado virtualmente. Os votos de ministros aposentados são mantidos mesmo após pedidos de destaque. Assim, Nunes Marques não votou e o posicionamento de Celso de Mello seguindo Gilmar continuará valendo.
“Cabe ressaltar que não há favorecimento à impunidade de crimes graves. Na verdade, trata-se de uma opção constitucional pela soberania dos veredictos. Por outro lado, é uma opção do legislador infraconstitucional pela estruturação no CPP de um sistema de julgamento por jurados sem necessidade de motivação na decisão tomada pelos leigos”, afirmou o ministro.
Ele discordou do argumento da Procuradoria-Geral da República de que é necessário respeitar o duplo grau de jurisdição e o direito ao recurso para a acusação, de acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Segundo ele, a convenção estabelece que os direitos são da defesa, não do órgão acusatório contra a decisão de absolvição.
“O direito ao recurso, segundo a convenção, é da defesa. Usar esse argumento para consolidar direito contra o réu caracteriza o que é conhecido como ‘efeito bumerangue’ de direito fundamental: situações em que os tribunais utilizam garantias do acusado para proferir uma sentença que o coloca numa situação processual pior do que antes”, disse.
Gilmar, no entanto, ressaltou que exceção deve ser feita nos casos em que se constatar que a decisão dos jurados se deu com base na tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio, considerada inconstitucional pelo Supremo em agosto de 2023.
O ministro propôs a seguinte tese:
“Determinar, por tribunal de 2º grau, novo júri em julgamento de recurso contra absolvição por quesito genérico que supostamente vai contra as provas dos autos, viola a soberania dos vereditos (artigo 593, III, d, CPP), portanto, tal fundamentação não permite apelação acusatória. Casos de absolvição em feminicídio são exceção, se provado que a decisão dos jurados foi baseada na legítima defesa da honra (ADPF 779)”.
Divergência
O ministro Edson Fachin divergiu quando o caso estava sendo analisado no Plenário Virtual. Seu posicionamento também foi mantido. Fachin foi acompanhado por Alexandre de Moraes no sentido de que a anulação de decisões de absolvição não fere a soberania dos vereditos quando vai contra as provas dos autos.
Para Fachin, há a possibilidade de controle mínimo do judiciário sobre as decisões do júri. Segundo o ministro, embora o júri possa absolver por clemência, a decisão não pode contrariar princípios constitucionais que são incompatíveis com graça, anistia ou perdão, como os crimes hediondos.
“Quando não se consegue identificar a causa de exculpação, ou não há provas que justifiquem plausivelmente uma das possibilidades de absolvição, ou se aplica clemência a um caso incompatível com a graça ou anistia, o Tribunal de apelação pode determinar novo júri”, afirmou Fachin.
Ainda de acordo com o ministro, se os crimes hediondos não são passíveis de graça ou anistia conforme a Constituição, os tribunais de segunda instância podem examinar se a decisão de absolvição é compatível com a Constituição.
“Como se pode ver pelos fundamentos aceitos, o recurso de apelação foi negado, reconhecendo a possibilidade de conceder clemência ao acusado. Entretanto, a clemência reconhecida como causa de absolvição pelo júri foi relacionada a um crime hediondo”, continuou o ministro.
Ele propôs a seguinte tese:
“A decisão do Tribunal de Justiça que anula a absolvição baseada em quesito genérico, desde que não haja provas que suportem a defesa ou que seja concedida clemência a casos não sujeitos a graça ou anistia, é compatível com a garantia da soberania dos vereditos do tribunal do júri”.
Apesar de ter votado de maneira semelhante a Fachin, Alexandre propôs uma tese diferente:
“É possível interpor recurso de apelação nos casos em que a decisão do júri, baseada em quesitos genéricos, for manifestamente contrária às provas dos autos”.
ARE 1.225.185
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